Qualquer pessoa que trabalhe com tecnologia sabe: durante décadas, a integração de sistemas foi essencialmente um desafio técnico. Um problema de engenharia, resolvido com linhas de código, conectores e protocolos bem definidos. Um obstáculo complexo, sem dúvida, mas que pertencia ao mundo das Ciências Exatas: projetar a arquitetura correta, seguir as regras e fazer com que os sistemas conversassem entre si. Essa lógica funcionou por muito tempo, mas o cenário mudou.
Por um lado, com o surgimento da inteligência artificial, nunca tivemos tantas soluções disponíveis. Por outro lado, nunca vimos tanto desperdício. Os pilotos são lançados, os orçamentos são gastos, as expectativas são definidas, mas a transformação não acontece. Um estudo recente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) comprova isso: 95% dos projetos de IA generativa não geram resultados efetivos.
Nos próximos anos, essa ineficiência poderá persistir - ou até mesmo aumentar - com o advento dos agentes de IA: sistemas capazes de interagir com os usuários e tomar decisões por conta própria. Sem a devida preparação, as empresas podem se transformar em enormes teias emaranhadas.
O motivo é simples: o problema da integração não é mais apenas um paradigma técnico - está se tornando também um paradigma humano. Quando falamos de milhares de agentes interagindo, acessando sistemas legados e colaborando com pessoas, a questão não é mais sobre protocolos, mas sobre governança.
Assim como as sociedades precisam de instituições fortes para funcionar - como uma Constituição e um Judiciário independente - as empresas precisarão de novas estruturas para gerenciar a autonomia desses agentes.
É aí que entra o conceito de "autonomia confiável". Ele representa a inevitável mudança da técnica para a política - e pode ser o passo mais decisivo para que a IA realmente transforme os negócios.
O passado e o presente da integração
Durante muito tempo, a integração de sistemas foi uma tarefa que consumia muito tempo e recursos das equipes de TI. Para reduzir os custos, muitas organizações dependiam de soluções frágeis e pontuais - soluções alternativas.
Algumas interrupções mudaram isso. Primeiro, vieram os ESBs (Enterprise Service Bus), as APIs e as plataformas de integração, trazendo padronização. Depois, o low-code simplificou o que antes era domínio de ferramentas pesadas. Apesar de democratizar a integração, ela ainda dependia de humanos para projetar e manter as conexões.
Mais tarde, surgiram os assistentes de IA, que aceleraram o trabalho automatizando tarefas repetitivas, como documentação e mapeamento. O ganho de produtividade foi enorme, mas a decisão final ainda cabia aos humanos.
Quando a integração se torna política
Ao contrário dos assistentes, os agentes podem trabalhar juntos. Eles compartilham responsabilidades, trocam informações, negociam prioridades e coordenam tarefas complexas em diferentes sistemas da empresa. Mais do que isso: eles operam de forma autônoma.
Imagine uma operação de cadeia de suprimentos: um agente lida com o estoque, outro com a logística e outro com a previsão de demanda. Nenhum deles gera valor sozinho; a cooperação gera eficiência, mas quem decide quando surgem conflitos?
É nesse momento que o desafio da integração passa de técnico para político. Com os agentes de IA, a integração torna-se equivalente à criação de instituições digitais capazes de mediar interesses, negociar, resolver conflitos e garantir o alinhamento.
Os agentes não são rígidos: eles interpretam o contexto, adaptam as decisões e, muitas vezes, competem por recursos (dados, prioridades, tempo de processamento). Como podemos garantir que essa multiplicidade de vozes autônomas atue de forma alinhada com os valores e as metas da empresa?
Assim como as sociedades inventaram parlamentos, tribunais e sistemas de freios e contrapesos, as empresas precisarão projetar estruturas que permitam a coexistência de milhares de agentes digitais.
O valor da IA, afinal, não está nos ganhos marginais, mas na produtividade em escala. As empresas só verão uma transformação real quando multiplicarem sua capacidade de entrega em 20, 50 ou até 100 vezes - algo impossível com pilotos isolados. Essa escala só virá com a governança adequada dos ecossistemas de agentes autônomos.
Controles e balanços
Autonomia confiável significa delegar tarefas a agentes de IA sabendo que eles agirão de forma alinhada, segura e transparente.
Essa mudança não é apenas técnica - é cultural e semântica. Para entender o panorama geral, é útil pensar em termos de dois tipos de "governos":
- Modo ao vivo: para tarefas de baixo risco em que a improvisação é aceitável
- Modo governado: para integrações críticas e auditáveis em que a falha não é uma opção
Esses dois modos não são opostos - eles devem coexistir. Por um lado, o modo ao vivo representa a democracia da improvisação: flexível, adaptável, adequado para tarefas de baixo risco, como responder a consultas ou ajustar campanhas em tempo real.
Por outro lado, o modo governado age como uma constituição rígida, necessária para processos como aprovações de crédito ou transações financeiras. Nesse caso, cada decisão deve ser auditável, previsível e protegida contra erros. O futuro da integração está em dominar o equilíbrio entre liberdade e controle.
Nesse cenário, a questão central não será mais "quem tem o assistente mais inteligente?", mas sim:
"Quem tem a rede de agentes mais confiável?"
Em breve, tarefas complexas não dependerão de um único modelo, mas da colaboração de vários agentes especializados, conectados a sistemas legados e processos humanos.
A autonomia confiável é, portanto, a próxima instituição digital. As organizações que souberem como criá-la garantirão que os agentes operem sob regras claras, respeitando políticas, segurança e objetivos estratégicos, permitindo que os seres humanos se concentrem no que realmente importa: estratégia e inovação.
Do técnico à governança
Esse novo paradigma é inevitável. Sem mecanismos de governança eficazes, as empresas não conseguirão ampliar a adoção da IA. Seus projetos permanecerão presos em silos, desperdiçando recursos e tempo.
A história nos mostra que as sociedades que prosperaram foram aquelas que criaram instituições confiáveis para gerenciar interesses, conflitos e complexidade. Com a tecnologia, não será diferente - e não é de surpreender que mais equipes de tecnologia estejam contratando linguistas, filósofos, psicólogos e cientistas sociais - profissionais acostumados com a ambiguidade que está por vir.
O futuro da integração não é meramente técnico; é político.
Aqueles que entenderem isso primeiro estarão mais bem posicionados para colher os frutos dessa nova fase, com agentes capazes de agir de forma autônoma.
Se isso acontecer, não precisaremos mais construir o futuro da integração.
Ele se construirá sozinho.